Monday 3 January 2011

Salomé

Salomé é um espetáculo feito a partir da adaptação colaborativa do texto simbolista de Oscar Wilde durante todo o processo de montagem do espetáculo. É a tragédia em que João batista, profeta dos desertos da Judéia, é capturado pelos soldados de Herodes. O profeta pretende (mais do que anunciar a vinda do Cristo) anunciar a existência do Amor Ideal: a ƒé. 


Salomé dança o amor carnal sua pele fica vermelha quando dança, o encontro de Salomé e João Batista é uma exagero. Os interesses destes dois personagens e o quadro de perigo iminente no palácio de Herodes, promove uma festa de secreções corporais.

A principal característica deste espetáculo é a dança como estratégia para a criação  da atmosfera ritualística e para as marcações de cena. O estudo do processo ritualístico foi utilizado para explorar o universo do encontro entre João Batista, o profeta messiânico e Salomé, a mais bela princesa da Judéia.  A parceria com atores-santos - Grotowski define como  ator-santo o indivíduo que se engaja na investigação de si mesmo para se tornar um criador - desenvolveu, nos dois casos, uma linguagem sobre o que seria uma cena compreendida como melodramática, mas que, por enfatizar a dança, o corpo, acaba tendo outro significado. O melodrama existe nas extremidades corporais e nesse espaço de representação de idéias de fé. Há nesta linguagem uma mecanicidade composta por motivações dramáticas. O corpo parece acompanhar o texto, mas os elementos não estão sincados. O texto está a favor do texto. E a tendência é ver o texto desaparecer. O que sobra é uma tentativa de dança que parece teatro e o um tipo de ritual particular aparece porque assumimos a artificialidade essencial. 


Música em Salomé, composta pelo grupo, também é estratégia para trazer o ritual.
Para a composição de Salomé a movimentação destaca o corpo de cada personagem na ação ritualística e sua respectiva qualidade de movimento. O confronto das diferenças de corpos foi a veia de configuração do evento da decapitação de João Batista, o personagem-tempo “Antes-de-Cristo”. O choque dos olhares, a respiração, o suor, são elementos cênicos fundamentais para esta construção. Em Salomé, o corpo é o ato teatral. Neste projeto há a tentativa de eliminação das resistências, os bloqueios, os atrofiamentos e condicionamentos. 


A sedução é arma historicamente política e visualmente tópico para belas imagens; na prática de Salomé o ator foi convidado à seduzir o público e uns aos outros. Estava então estabelecido um jogo de interesses em vários níveis - entre personagens e entre performers e público. A Beleza como instrumento de poder do discurso e provocação energética. A dança removendo, despertando, comovendo, transformando. 

Transpondo o jogo destes personagens para a motivação pessoal como artistas: a Cultura - a própria arte - já é contrapartida.

O laboratório de ensaios como espaço para criação dos artifícios ritualísticos. Espaço também para experiências que misturam a realidade com a ficção (João Batista foi pregar sobre idéias de 'Fé' em um shopping, por exemplo). A criação de corpos atravessados pelos fatores de realidade - a investigação do próprio corpo - até chegar a superfície contextual do personagem. A partir daí, a criação do corpo de cada personagem.


Duas memórias metodológicas que eu destaco: 

a) como aquecimento para estes ensaios utilizei repetidas vezes um dos treinamentos de Peter Brook: “A troca de bambus”, em que os atores têm que acionar o olhar periférico e a atenção para o seu próprio corpo e o corpo do sistema. 

b) ênfase vibrátil para cada personagem: destacamos a “tampa da cabeça” e coluna vertebral para João Batista; peito, ombros e ventre para Salomé; pescoço e pontas dos dedos para Herodiades; ventre e pés para Herodes. O mapeamento do corpo foi um bom investimento para o primeiro momento do processo - que durou 3 meses até a estréia com 4 ensaios por semana de 6 horas. Passei 6 meses idealizando e dando forma à decapitações e festas de luxúria. Como diria minha mãe, "adolescência retardada".

Em 26/junho/2007, escrevi este texto como instrução para a “Dança de Salomé”, cena 7 da montagem:

Dança Salomé!

Atira o sangue
Rasteja como serpente
Puxa de costas o sangue - que é o véu
Enrola sobre a cabeça o sangue, em forma de Lótus.
Gira a cabeça
Enrola o véu na cabeça e, em seguida, se livra para respirar

Cospe a cabeça,
de frente, de costas, mostra os lados,
Levanta
vai voar
Vai mostrar o sangue para Herodes, desafia!
Queixo exageradamente levantado, levanta o queixo Salomé!
Grande Círculo, Grande Roda:
Exibe também o sangue para todos os convidados.
O Ritual
roda no próprio eixo segurando o sangue, braços levantados
provoca os céus
e agora segura o sangue nas costas
continua rodando rodandorodandorodando
do leve impulso ao mais forte, o mais intenso.
Desfalece.
Abre as pernas, pés em ponta.
Puxa o véu da cabeça até ao centro do corpo
dois dedos abaixo do umbigo
limpa o suor
De joelhos, o coração bate, ação “pinabausch”, o coração pesa, de pé, pernas abertas
Diagonal tribal - o sangue pesa muito
Corrida em forma de cruz
Foge, a Princesa da Judéia!
depois estrelas.
Giro, desequilíbrio e equilíbrio
Enrola nos pés o sangue
Cai de joelhos na própria armadilha
Como em uma oração alucinada,
joga a cabeça para trás e pede:
“Olha para o céu meu amor.”

O céu é você, Salomé.



Friday 24 December 2010



Olha pro céu, meu amor
Veja como ele está lindo


A decisão de montar Salomé foi feita na praia de Itacoatiara em Niterói. Eu e Theo. Li a adaptação dele a partir do texto de Oscar Wilde e me tornei ainda mais idiota naquele dia de sol e ventania. Eu sempre quis, mas nunca consegui encarar a onda de Itacoatiara. A apaixonada por teatro, iludida com a importância das artes na comunidade, patética que eu sou quer compartilhar o próprio arquivo e metodologia, rever grandes erros e nomear "repetição" uma definitiva regra performática.